A polêmica sobre a possibilidade de tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) sem passar por autoescola ganhou força após a aprovação da nova resolução do Contran. A promessa oficial é bonita: tornar o processo mais barato, mais acessível, mais democrático. No papel, tudo parece avançado e até revolucionário. Mas, fora do discurso otimista, a enxurrada de críticas mostra que a história é bem mais tortuosa.
Especialistas em trânsito, entidades do setor e até parlamentares afirmam que o governo está acelerando demais numa estrada cheia de buracos. O argumento central é simples e direto: sem uma formação mínima e padronizada, o risco de colocar motoristas despreparados nas ruas aumenta — e muito. Num país que já acumula índices alarmantes de acidentes, essa não é uma preocupação trivial; é questão de vida e morte.
Outro ponto sensível é o impacto econômico. A mudança atinge diretamente milhares de autoescolas em todo o país, abrindo caminho para demissões em massa. Estimativas apontam até 300 mil empregos ameaçados. Para quem vive da instrução prática e teórica no trânsito, a sensação é de que o governo não está apenas mudando regras — está desligando o motor de um setor inteiro.
No Congresso, o clima também é de resistência. Deputados afirmam que esse tipo de decisão não pode ser tomada por ato administrativo, sem debate amplo, sem estudos sólidos e sem ouvir quem realmente entende do assunto. A crítica política pesa ainda mais porque, em Brasília, ninguém esconde que a medida tem também um componente de marketing: melhorar a imagem de um governo que tenta, a todo custo, emplacar alguma pauta popular.
E é aqui que a conversa fica mais franca: quem realmente já sabe dirigir e vai se beneficiar dessa flexibilização? Pobre ou rico? Todos sabemos a resposta. Quem nasceu em família com padrão de vida melhor normalmente aprende a dirigir muito antes de ter idade para tirar carteira. Quem sofre é o trabalhador que nunca teve acesso a carro, garagem ou estrada — exatamente quem mais precisa de aulas formais.
Para entender o impacto real, conversei com um dono de autoescola. Ele tem cinco carros, sete instrutores, e agora está apreensivo. Se o movimento cair, terá que demitir, vender veículos, enxugar tudo. O que deve salvar o negócio — segundo ele — é a formação profissional, como motoristas de ônibus e caminhão. E aí vem o ponto-chave: quem procura essas categorias? Justamente os mais pobres, buscando uma profissão. E esses não chegam “sabendo dirigir”. Precisam de orientação, prática, técnica e alguém qualificado ao lado.
Resumindo: a desobrigação da autoescola pode até trazer economia — mas para quem já tem carro, já dirigiu escondido e só precisa “cumprir tabela”. No outro lado da balança, ficam instrutores desempregados, empresas ameaçadas e um trânsito possivelmente mais perigoso.
A modernidade é bem-vinda. As reformas, necessárias. Mas trocar um modelo inteiro sem apresentar garantias mínimas é transformar o trânsito brasileiro em um laboratório improvisado — e perigoso. No fim das contas, o que parece inovação pode ser só um atalho político mal pavimentado. E todo atalho, a gente sabe, costuma cobrar pedágio.
Por Cleomar Diesel






