Nada contra árvore, passarinho, bromélia, musgo, líquen, neblina serrana ou até mesmo contra o agora célebre minissapo presidencial. O problema não é a Mata Atlântica. O problema é o método. Sempre ele. Sempre o mesmo roteiro, com pequenas variações tropicais.
De repente, Brasília acorda iluminada, olha para um mapa distante e decide: “Aqui será um parque nacional”. Pronto. Está criada a ideia — sem ouvir quem mora lá, produz lá, paga imposto lá e convive com a floresta muito antes de ela virar pauta acadêmica ou hashtag ambiental.
No caso do Parque Nacional das Serras do Araçatuba e Quiriri, o filme é velho. Área extensa, 32,6 mil hectares, cortando municípios do Paraná e de Santa Catarina, afetando diretamente cidades como Joinville, Garuva, Campo Alegre, Tijucas do Sul e Guaratuba. E quem é chamado primeiro? O povo? Os prefeitos? Os produtores? Não. Primeiro vêm os estudos, depois os discursos prontos, depois a “consulta pública” quando tudo já está praticamente decidido.
Causa estranheza, sim, ver o secretário Rafael Greca aderindo com entusiasmo à proposta em nome do Paraná. Muito estranha, aliás. Principalmente quando prefeitos, vereadores e deputados catarinenses — gente que pisa no barro da região — se levantam contra, alertando para o óbvio: mais um parque significa mais restrições, menos atividade econômica, menos planejamento urbano e mais burocracia ambiental para quem já vive sob regras duríssimas.
A Prefeitura de Joinville foi clara no ofício ao ICMBio: uma nova unidade de conservação engessa ainda mais uma região que já convive com limitações severas. Não é discurso ideológico. É realidade administrativa. E a Alesc, corretamente, pediu suspensão das tratativas até que haja debate sério. Debate de verdade, não audiência protocolar para constar em ata.
Mas aí entram eles: os ambientalistas de manual, sempre rápidos, sempre criativos. Onde há resistência local, surge um achado “científico” estratégico. Na Amazônia, durante os 30 anos em que vivi lá, vi isso acontecer dezenas de vezes: antes da canetada, apareciam índios isolados “descobertos”, plantas exclusivas, insetos únicos no planeta. Depois da criação da reserva, silêncio. Missão cumprida.
Agora, no Sul, eis que surge o minissapo. Pequeno, microscópico, invisível, raríssimo — e, claro, devidamente batizado de Brachycephalus lulai. Convenhamos: o sujeito que escolheu o nome tem senso de humor refinado ou é um gozador profissional. Não bastava o parque; precisava do símbolo político perfeito.
O sapo é bonito, laranja, minúsculo, resistente e vive escondido. Virou meme, virou discurso, virou justificativa moral. Marina Silva aplaude, institutos celebram, papers são citados. Tudo muito científico, tudo muito técnico — e tudo muito conveniente.
Nada disso invalida a importância da preservação. Mas transforma a conservação em instrumento político e ignora completamente quem vive na região. O parque não cai do céu. Ele cai sobre propriedades, estradas, planos diretores, turismo, agricultura, geração de emprego e arrecadação municipal.
Preservar não pode ser sinônimo de interditar vidas alheias a partir de gabinetes climatizados. Mata Atlântica se protege com manejo, parceria, compensação justa e respeito às comunidades locais — não com decreto iluminado e sapo batizado em latim presidencial.
Vida longa ao minissapo. Ele não tem culpa nenhuma. O problema é quando um anfíbio de 8 milímetros passa a valer mais que cidades inteiras. Aí não é mais ciência. É ideologia ambiental travestida de biodiversidade.
Morro de velho e não vejo tudo. Mas sigo vendo sempre a mesma história — só mudam o bioma e o sapo da vez.
Por Cleomar Diesel






